Conversamos com o Rev. Silas de Lima, pai do Isaias e da Keli, avô do Enzo e da Ellen, casado com Eldna Lima, tradutor da bíblia para o idioma Wajãpi, missionário da APMT, pastor e co-autor do livro “Quem me dera conhecer a Deus”. Neste mês o casal completa 40 anos de ministério e de matrimônio. No próximo sábado (20), a IPJ realiza um culto de ação de graças pela vida desses queridos irmão. Entramos em contato com o pastor Silas e gentilmente nos atendeu. Neste bate papo, pastor Silas conta como foi o início do seu ministério, o chamado para a obra, o privilégio do pastorado, o trabalha missionário com os índios Wajãpi e muito mais. Confira agora.
IPJ – Rev. Silas, como surgiu o desejo pela obra de Deus? Conte um pouco sobre seu início.
Silas – Influência cristã dos meus pais e avós, conforme narro no livro Quem me dera conhecer a Deus. “Contam-me que, logo que aprendi a falar, meu avô materno me colocava em pé sobre a mesa e perguntava:
O que você vai ser quando crescer? E eu dizia:
— Vou ser pregador do evangelho.
— O que você vai pregar?
— Crê no Senhor Jesus e serás salvo!”
Ouvi uma prima de minha mãe, Sara Florêncio Ibelina, falar de missões e aquilo ficou latente em minha mente até os 20 anos. Meu pai me ensinou a ler aos 4 anos e ganhei uma Bíblia de minha tia Emília, que li desde cedo. Com o tempo ele percebeu que seria melhor me apoiar e incentivar os estudos, pois eu não tinha jeito para ser pecuarista como ele. Foi então quando me enviou para Pouso Alto para o curso de Admissão, e logo depois se mudaram também para cidade. Na definição de estudos no segundo grau foi o momento que senti o toque de Deus para a obra do Seu coração. Desisti do pré-vestibular e Deus preparou tudo para que, em curto prazo, me matriculasse num curso bíblico missionário.
IPJ – Como é ser pastor?
Silas – Ser pastor é aprender sempre a andar dia-a-dia com o Bom Pastor e conduzir outros ao mesmo caminho, ou seja, ‘andar com Ele’.
IPJ – Como é ser missionário?
Silas – É alguém, como um mendigo que foi saciado pelo pão da Vida, empenhado em apontar a outros mendigos Àquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Um missionário transcultural “aprende a usar os óculos do povo” para lhes comunicar a mensagem de Deus contextualizada à sua compreensão de mundo, com humildade e respeito.
IPJ – Quantos lugares o Sr. já trabalhou?
Silas – Filiados à Missão Novas Tribos do Brasil, iniciamos em 1978 com outros colegas, pesquisas sobre possibilidades de abrir campos missionários no Amapá. Moramos em Serra do Navio – AP e depois no Oiapoque – AP, onde ajudamos a iniciar alguns trabalhos. Em 1983, aceitos pela FUNAI, fomos para o Amapari, TIW (Terra Indígena Wajãpi) ali permanecendo por mais de 9 anos. Em acordo com a Missão mudamos para Macapá para ter mais tempos pra tradução Bíblica e coordenação da equipe missionária. Também iniciamos viagens aos campos da Missão como Consultor de aprendizagem de línguas e mais tarde de tradução. O trabalho foi interrompido nas aldeias por perseguição e mudamos para Anápolis – GO, onde ficamos 10 anos na liderança e Consultoria. Voltamos ao Amapá para a Base Missionária em Tucano 2, de 2011 até 2016.
IPJ – Rev. Silas, com certeza o Sr. teve experiências fantásticas com Deus ao decorrer desses 40 anos de ministério, gostaria que destacasse algumas.
Silas – Vou recortar dois relatos que conto no meu livro, “Quem me dera conhecer a Deus”.
Subindo o rio Onça, anoitecemos aos dois terços da viagem. Era muito escuro e só podíamos seguir o rumo observando a pouca luminosidade no espaço por entre as copas das árvores que margeavam o rio. Quando os galhos das árvores se encontravam formando um túnel sobre o rio, íamos bem devagar com o comando do proeiro, o co-piloto de proa, que dizia. I’ekyty ou enone kyty, ou ijau kyty. Vire á direita! Siga em frente! À esquerda! Algumas vezes entrávamos no mato que margeia o rio e tínhamos de recuar.
Com o remo ele procurava distinguir o leito do rio tanto pela profundidade como pela vegetação que o margeia. Seu remo era sua ‘visão’ na escuridão da noite… Conseguir ouvi-lo além do ruído estridente do motor não era fácil. Num túnel desses, como não adiantava olhar pra cima, eu olhava pra frente sem enxergar absolutamente nada. Em certo momento virei o rosto para a esquerda sem saber porque estava fazendo aquilo. E, bem na hora que me virei, uma ponta de um galho seco atingiu-me a face direita bem na altura do olho, entre este e a orelha.
Então eu descobri o por que: se eu não tivesse virado eu não teria hoje a minha visão do lado direito que, sem dúvida, teria sido perfurada. Ao invés disso, só fiquei com um pequeno arranhão no rosto. A pergunta que surge é: Quem me fez virar o rosto bem no instante em que meu olho teria sido atingido? Não é preciso dizer. Posso concluir que Davi tinha toda razão quando escreveu: ‘… a escuridão e a claridade são para ti a mesma coisa.’ Sl.139:12b
Em 1983 eu e minha família retornávamos dali para Oiapoque usando uma voadeira larga e curta que é bem mais difícil de conduzir do que a canoa. É bem difícil de navegar pelo córrego Juminã naquela época do ano. É estreito e raso, mal dá para a canoa passar, em sua maior extensão não tem profundidade para funcionar o motor e tínhamos de empurrar o barco com o tacarri. Algumas vezes tínhamos de descer e empurrar ou puxar a voadeira que se prendia em algum tronco na água. Como havia muita lama, procurava-se pisar sobre um tronco para não se atolar. Eu tentava empurrá-la e minha esposa tentava me ajudar com o remo na proa.
Como era época de seca, a vegetação facilmente se queimava. Na metade daquele percurso, começou a ventar forte e havia um fogo que se alastrava pelas margens do igarapé à nossa frente vindo em nossa direção. De início pensei que não seria um grande problema e não morreríamos queimados pois era só descermos para a água; mas e se o fogo pegasse no tanque de gasolina e nos objetos? E a situação foi ficando feia mesmo! Formigas do cipoal que cobre o igarapé, agitadas pelo calor do fogo e da fumaça, caíam sobre as crianças no barco. Elas choravam e ficamos quase desesperados por que não tínhamos como escapar da situação difícil. A fumaça do fogo que já nos cercava estava nos sufocando. O calor das chamas já nos atingia.
Eu já estava quase entrando em pânico quando meu filho perguntou:
— Papai, quem controla o vento? E eu, quase que instintivamente, respondi:
— É Deus, meu filho. Ele controla o vento e tudo mais.
Ele fechou os olhos e orou em sua simplicidade:
— Papai do céu, muda o rumo desse vento agora.
Foi surpreendente! Num instante o vento fez um retorno e começou a soprar no rumo contrário a nosso favor. O fogo recuou. Ficamos aliviados prosseguimos a viagem e vimos mais uma vez a proteção real do meu querido Senhor! Emociona-me relembrar tudo isso. Foi o Senhor mesmo quem prometeu a Israel: “Quando passares pelas águas estarei contigo, quando pelos rios eles não te submergirão; quando passares pelo fogo não te queimarás, nem a chama arderá em ti.” Is. 43:2
IPJ – Conte-nos um pouco sobre o trabalho com os índios.
Silas – Foi uma experiência muito enriquecedora para mim e pra minha família. Aprendemos muito sobre o jeito simples e prático de viver na selva, sobre riqueza da cultura Wajãpi agregando conhecimentos muito relevantes sobre a flora, a fauna, o ciclo de vida anual. Tudo em interação com a cosmologia, o calendário estelar e a sazonalidade das frutas silvestres e as caças. Sua sabedoria em usar a fitoterapia étnica obtendo conhecimento prático para lidar com as doenças mais comuns. Também sobre cosmologia e mitos que repassam de geração em geração. Achamos inclusive paralelos à cosmologia bíblica. Incrível!
IPJ – Durante esses 40 anos de ministério, o que mais aprendeu?
Silas – De fato estou aprendendo ainda aquilo que Jesus disse: SEM MIM NADA PODEIS FAZER! Qualquer coisa boa que um pecador como eu, salvo pela graça, possa produzir é mérito d’Ele! Isso está bem relacionado com o que Paulo testemunhou: “…me gloriarei nas minhas fraquezas para que sobre mim repouse o poder de Cristo!”.
IPJ – Rev. o Sr. tem projeto para os próximos anos? Vai voltar o trabalho com os índios?
Silas – Sim! Até o final de 2019 estamos desenvolvendo um projeto tri-anual com a APMT (Agência Presbiteriana de Missões Transculturais), fazendo traduções, gravações evangelísticas e de discipulado. Visitas periódicas aos Wajãpi para fazer seminários de treinamento aos líderes crentes tradutores indígenas e o fortalecimento da igreja autóctone ali. Esclareço que atualmente os missionários não residem nas aldeias, apenas fazem visitas às aldeias ou recebem visitas dos Wajãpi nas bases da MNTB (Missão Novas Tribos do Brasil) ou da APMT
IPJ – Quais conselhos o sr. dá para quem tem o desejo missionário e do pastorado?
Silas – Excelente obra almeja. Paulo chamou a soberana vocação e ‘desceu’ do ápice do judaísmo para abraçar o ministério e a carreira recebida do Senhor Jesus. Deve ser mais como um compromisso com o Senhor e nem tanto como uma profissão. É “o de viver perante a audiência de Um só”, como alguém disse. Fazer tudo de modo digno do nome de Cristo! Assim prevenimos da mediocridade.
IPJ – Em algumas palavras, o que representa 40 anos de ministério?
Silas – Um curto período de tempo para uma obra que tem implicações eternas!
IPJ – Se o Sr. quiser completar algo que não foi dito poderá fazê-lo agora.
Silas – Agradecemos pelo interesse, simpatia e apoio da IPJ neste evento de agradecimento a Deus! Essa igreja tem sido um lugar de acolhida fraterna e bondosa pra nós. Obrigado irmãos!
IP Jundiai